A anuência manifestada na época pelos herdeiros não foi suficiente para validar a partilha desigual, na qual a filha ficou com R$ 39 mil em imóveis e o filho recebeu cotas de empresas no valor de R$ 711 mil.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou a nulidade absoluta de uma doação inoficiosa realizada por meio de escritura pública de partilha em vida, conforme as regras do Código Civil de 1916. Mesmo que os herdeiros tenham concordado com a divisão desigual dos bens na época, essa anuência não tem o poder de convalidar o ato irregular.
O caso teve origem em 1999, quando um casal dividiu seu patrimônio entre dois filhos. Enquanto a filha recebeu imóveis avaliados em R$ 39 mil, o filho foi beneficiado com cotas de empresas no valor de mais de R$ 711 mil. Diante da discrepância, a filha ingressou com uma ação declaratória de nulidade da doação, mas teve seu pedido negado pelo tribunal de origem. A questão, então, foi levada ao STJ.
Favoritismo na doação precisa respeitar a parte legítima
A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, destacou que a validade da doação deve ser analisada conforme a legislação vigente no momento da liberalidade. No caso em questão, aplicam-se as regras do Código Civil de 1916, cujo artigo 1.776 (equivalente ao artigo 2.018 do Código Civil de 2002) exige que a partilha em vida respeite a parte legítima dos herdeiros necessários.
Embora seja permitido que um dos herdeiros receba uma parcela maior do patrimônio, essa diferença só pode ocorrer se forem preservados pelo menos 50% dos bens para divisão obrigatória entre os descendentes, ascendentes ou cônjuge. Caso a doação ultrae essa margem, será considerada inoficiosa* e, portanto, nula.
Doação excessiva é considerada nula
Segundo Andrighi, quando a doação extrapola a parte disponível e atinge a porção reservada por lei aos herdeiros necessários, ocorre a nulidade absoluta do excesso. O artigo 1.790, parágrafo único, do Código Civil de 1916, assim como o artigo 549 do Código Civil de 2002, reforça esse entendimento.
Dessa forma, o tribunal concluiu que a doação realizada em 1999 não poderia ser validada, independentemente da anuência dos herdeiros na época. “O consentimento dos signatários não tem o poder de legitimar um ato que afronta a legislação sucessória”, ressaltou a ministra.
Apesar da nulidade absoluta, a ministra observou que o direito de questionar a doação na Justiça está sujeito a prazos prescricionais. Pelo Código Civil de 1916, o prazo para ações desse tipo era de 20 anos a partir da doação. Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, esse período foi reduzido para dez anos.
Com essa decisão, o STJ reafirma o entendimento de que doações que desrespeitem a parte legítima da herança são nulas e não podem ser convalidadas pela simples concordância dos herdeiros beneficiados no momento da partilha.
SAIBA MAIS:
Inoficiosa* é um adjetivo que significa algo que prejudica alguém ou que se realiza contra a lei.
No direito, doação inoficiosa é aquela que ultraa a parte do patrimônio que o doador poderia dispor livremente. Isso prejudica a legítima dos herdeiros necessários, que são os descendentes, ascendentes e cônjuge.
Como funciona a doação inoficiosa?
A doação inoficiosa pode diminuir a parte que os herdeiros legítimos teriam direito.
Pode gerar conflitos familiares.
Em casos extremos, pode ser anulada judicialmente.
A nulidade é parcial, apenas incidindo naquilo que exceder o limite da legítima.
Exemplos
Se o doador tem um patrimônio de R$ 500.000,00 e faz uma doação de R$ 300.000,00, a doação é inoficiosa.
Se o doador tem um patrimônio de R$ 100.000,00 e faz uma doação de R$ 70.000,00, o ato será válido até R$ 50.000,00 e nulo nos R$ 20.000,00 que excederam a proteção da legítima.
Para garantir seus direitos, é recomendado que se busque orientação a um advogado.
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